As horas, dias e a semana que passou – foi de muita aflição não só para os familiares de Oscar Rodríguez, mas para seus amigos enxadristas que aguardavam ansiosamente seu pleno restabelecimento para que ele pudesse participar do torneio que o homenagearia numa iniciativa do consórcio institucional formado pelo Bobby Fischer Xadrez Clube (BFXC) e o setor de lazer do Serviço Social da Indústria (Sesi) - ambas entidades de Sant’Ana do Livramento. O torneio que fora batizado de Troféu Oscar Rodríguez, num reconhecimento de sua longa trajetória e dos méritos pelas suas conquistas desde uns 12 anos quando chegou em Rivera vindo de Montevidéu, capital uruguaia e fez suas bases operacionais de longos e exaustivos estudos que lhe renderam muitos títulos, notoriedade e motivo desta homenagem que quase se transformou em memorial póstumo. Para quem não sabe – o evento que seria objeto de veneração na noite do último dia três de março com a disputa de um torneio com seu nome teve de ser suspenso, pois o astro maior foi surpreendido por um frêmito emocional que quase lhe valeu a vida.
Estava tudo pronto – a turma reunida, a premiação cobiçando a todos e a presença de três emissoras de televisão: duas de Rivera e uma local, mas com abrangência regional e nacional. Como o personagem em questão era de reconhecimento internacional, muito natural que houvesse todo esse interesse e mais ainda de alguns fotógrafos. A sala de jogos do BFXC estava realmente repleta de enxadristas, profissionais de imprensa e muitos curiosos. Estes últimos passavam frente ao clube quando foram atraídos pelas luzes dos cinegrafistas e de alguns flashes dos fotógrafos. Tudo indicava que algo de especial estava para acontecer. Quiçá o prefeito municipal ou outra personalidade. Porém passadas algumas horas houve frustração geral, pois nada do homenageado e pior ainda – a notícia que suscitou através de um telefonema dava conta que algo de muito grave ocorrera. Oscar estava internado e sua vida corria risco. Houve princípio de tumulto, muitos queriam detalhes – só que não foi autorizado pelo familiar que telefonara revelar o seu paradeiro. Apesar de tudo, os mais espertos capitaneados pelo astuto arquiteto Diego Rodolfo Pelaez – e todos riverenses, trataram de fazer uma recorrida e logo descobriram que o telefonema vira do Sanatório, mas que na verdade Oscar estava no instituto Comeri. Porém a UTI era de acesso restrito e tiveram de se contentar com as informações do plantonista. O mundo exterior ficou sem notícias por horas e isso foi penoso. A única informação até o momento dava conta de que a pressão dele chegara a 12x4 e com quadro sem melhoras à vista. Também surgiu a história de que este quadro fora agravado por uma injeção que o seu organismo rejeitara ou fora mal aplicada. Circulavam notícias, mas todas ruins. A única solução seria rezar e torcer para que seu organismo assimilasse o novo tratamento.
Sexta-feira, dia nove, era meio da noite – quiçá lá pelas 22 horas quando o telefone volta a tocar no Bobby Fischer justamente quando grande parte dos enxadristas estava reunida lamentando o que sucedera com amigo Oscar e tentando descobrir uma forma de ajuda e apoio à sua família. Desta vez não era alguém estranho com notícias ruins como acontecera há uma semana, para surpresa quem estava ao fone era ninguém menos do que o outrora moribundo Oscar. Segundo ele mesmo informou – sua saúde estava como um aço e pediu para organização que providenciasse a realização do torneio quer iria participar sem problemas. Mais uma vez o agito foi geral. Dezenas de telefonemas foram dados para avisar os demais amigos da boa nova e que a homenagem se processaria no sábado, dia 10 no Bobby na hora combinada. Pena que desta vez não houve tempo hábil para confirmar a presença de todos veículos de comunicação. Porém o mais importante estaria presente – Oscar Rodríguez que por pouco não teve sua homenagem em vida transformada em memorial póstumo.
Sábado – 10 de março, 19h45min horas o homenageado foi o primeiro a chegar no Bobby. Ele estava nitidamente ansioso, emocionado e demonstrando ares de orgulho. Não era para menos – pois soubera que se transformara em personalidade idolatrada e muitos rezaram por ele. Esteve por um fio. Mas graças a Deus deste mal não morrerá mais, pelo menos se esta for a vontade geral dos enxadristas. Mais magro, porém nem por isso mais fraco. Os dias que o mantiveram na clausura da cama lhe tiraram alguma massa corporal, mas isso para um enxadrista não significa muita coisa. Ele aproveitou os momentos de solidão para curtir sua literatura favorita: os livros de xadrez. Jazia muito tempo que não tinha uma oportunidade dessas. Assim aproveitou como nunca. A mente privilegiada de um jogador de xadrez é uma ciência à parte. E a de Oscar agora turbinada com todo tipo de remédios foi um show – pelo menos foi essa a opinião geral dos enxadristas que disputaram este torneio. Olha que na hora em que o jogo inicia tudo se transforma. Os amigos agora são adversários. O tradicional aperto de mãos sela o início de uma outra realidade, uma dimensão neural onde nem os psiquiatras mais renomados conseguem entender – quiçá explicar este fenômeno.
21h47min finalmente o evento iniciou. As duas salas do BFXC estavam literalmente lotadas. O que chamou atenção era o fato da presença de muitas crianças apesar do adiantado da hora. Acontece que muitos pais levaram seus filhos para assistir o grande acontecimento e conhecer o enxadrista que teve no limiar da morte e conseguiu se safar. Ele não imaginava, mas se tornou um ícone para a meninada. Cinco rodadas ao ritmo de 15 minutos por jogador – perfazendo meia hora de partida era o que determinava o regulamento. Já de cara ele enfrentou o messiânico e novo profeta do xadrez José Menezes. Oscar tinha uma estratégia para vencer que foi infalível. Estudou exaustivamente as aberturas hiper-antigas com variantes ortodoxas e deu certo. Como não mais se joga este tipo de linha logo deu um nó na mente de seus adversários que foram caindo um por vez. Na segunda ronda teve Felix Maidana, mas este também teve o destino de seu antecessor, um pouco mais difícil é bem verdade, pois chegaram aos finalmente e Oscar acabou promovendo um de seus peões – forçando Félix a abandonar porque o xeque-mate seria questão de poucos lances. Chegou a vez de seu grande fã e responsável pela agitação, Diego Pelaez. Outro que não lembrava, ou não sabia, da abertura utilizada por Oscar e acabou sendo facilmente derrotado. Assim ele levou até se deparar com Alcides Paz. Neste as coisas não funcionaram como devia. Num momento nefrálgico de vacilação ele ousou tanto que esqueceu a seqüência do lance - deixou sua Dama pendurada e acabou sentindo como é amarga a derrota.
Já era adiantado da hora quando os “combatentes” entraram na última rodada. Com esta derrota Oscar foi deslocado da mesa principal. Nos torneios de xadrez – os jogadores são distribuídos qualitativamente segundo seus desempenhos nas mesas principais – sendo que a número um é a mais cobiçada. O homenageado estava na iminência de levar para sua casa o grande troféu de campeão. Esta derrota não estava em seus planos. Nesta partida decisiva ele deveria vencer. Caso contrário o prêmio máximo com certeza iria para Félix que estava em seus calcanhares. Azar do sargento Carlos Augusto do 7ºRCMEC que teve de enfrentar um leão ferido. Um leão desnutrido e magro é bem verdade, mas um leão é sempre um leão. Carlos até foi valente e lutou, mas prevaleceu não só a experiência de Oscar, mas o volume de jogo. Com este título ele sai na frente na corrida dos campeões liderando o ranking de 2007. Além dele – a organização premiou com medalhas personalizadas até o sexto lugar foi a seguinte ordem: vice-campeão Félix Maidana seguido por Diego Pelaez, Messiânico José Menezes, Alcides Paz e o sargento Carlos Augusto em sexto. O próximo encontro será em abril com o torneio de Páscoa. Este deverá ter a presença de jogadores de Bagé que se comprometeram a vir prestigiar o pronto restabelecimento de Oscar.
Entretanto, o grande destaque da noite não ficou por só por conta do show de Oscar. A partida que desviou todas as atenções aconteceu na última rodada na mesa em que se enfrentavam o uruguaio e secretário do clube Sarandi Universitário de Rivera Júlio Lito e o recém chegado aos quadros de enxadrista iniciante do Bobby Fischer Rodrigo da Costa Pereira. Este realmente foi um jogo que ninguém perdeu a oportunidade de assistir. Até mesmo os graduados se acercaram à mesa para ver as grandes movimentações e jogadas de cinema que ambos protagonizavam. Não que eles fossem lá grandes jogadores, mas justamente aí é que residia a atração. Muitos lances e jogadas brilhavam pela inocência de seus comandantes. O ponto alto aconteceu quando Rodrigo literalmente encurralou Lito no canto cercado com Dama, Bispo e Cavalo. Ele não percebeu que – se jogasse a Dama no fundo na casa da Torre adversária seria xeque-mate, pois o Rei não poderia ser defendido tampouco fugiria, uma vez que a diagonal aparentemente livre estava sendo ocupada pelo Bispo da casa negra. Rodrigo invés disso resolveu jogar o Cavalo para, no lance seguinte encerrar o jogo com um mate apoteótico – isso pelo menos em sua concepção. Só que ao fazer isso, liberou a Dama de Lito que pôde contra-atacar através da única diagonal outrora obstruída pelo Bispo da casa negra de Rodrigo – o mesmo que impediria o Rei de Lito fugir. Lito olhou, pensou, mas não tinha certeza de nada. Mas foi em frente. Muniu-se de coragem e resolveu dar xeque. Perderia, talvez, mas pelo menos um xeque ele daria. Não é que foi xeque-mate. A turma foi ao delírio – o bom e velho amigo Lito conseguiu finalmente vencer uma partida. Ele com o passar dos anos se tornara o “mascote” do xadrez na fronteira, mesmo no alto de seus quase 70 anos de vida.