O coração de Éder Truculoso parecia querer sair do peito - tamanha era a sua ansiedade para chegar logo ao seu destino - ele partira do pequeno vilarejo de São Roque do Norte, nas imediações da cidade de Passo Fundo e pretendia desembarcar em Santana do Livramento para jogar um torneio de xadrez onde estariam reunidas nada menos do que três bandeiras e muitos jogadores do exterior. João Firmino, seu parceiro de viagem com sua tradicional calma, a mesma que o conduzira à presidência do clube de xadrez de sua cidade - perdeu as contas de quantas vezes viu Éder Truculoso desarrumar a vasta cabeleira e voltar a amarrar em forma de rabo de cavalo. Se este animal que conferiu o nome a este tosco penteado estivesse no ônibus - com certeza ficaria incomodado pela comparação e quem sabe, porque não, até excitado pelas tantas e incansáveis vezes que era acariciado.
A jornada seria longa. De sua casa até Passo Fundo em cima de uma carroça – já iniciara a aventura de umas quatro horas e, daí até o extremo sul do Rio Grande seria uma viagem e tanto - ainda mais que não existe ligação direta via-ônibus intermunicipal. Deveriam fazer baldeações e a mais conveniente, menos onerosa e mais curta seria embarcar para Santa Maria e de lá tentar uma viagem para Santana do Livramento. A primeira etapa do plano foi cumprida com êxito - a dupla chegou na rodoviária de Santa Maria às seis horas da madrugada e logo correu até o guichê para comprar as passagens. "- Senhorita, bom dia, somos de São Roque do Norte, perto uns 40 quilômetros de Passo Fundo, esta é a primeira vez que deixamos a roça e desejamos ir para Santana do Livramento, têm passagem e que horas sai?" perguntou João Firmino com seu inconfundível sotaque de "índio passofundense". A moça que trajava um bleiser azul escuro com filetes dourados cobrindo uma camisa branca e cabelos longos - fitou seus olhos amendoados em forma oriental escondidos atrás de uns óculos fundos de garrafa em Firmino, e respondeu: -" Parte um agora às sete, só que não tem mais lugar ... vocês querem ir de pé ou esperar o das nove?" Antes que João Firmino pensasse em responder - Éder Truculoso saltou e se antecipou ao amigo, ..."não, não, veja duas passagens que vamos em pé mesmo!" Assim embarcaram na hora determinada e pacientemente se amontoaram dentre os demais no corredor do ônibus.
A viagem
A jornada seria longa. De sua casa até Passo Fundo em cima de uma carroça – já iniciara a aventura de umas quatro horas e, daí até o extremo sul do Rio Grande seria uma viagem e tanto - ainda mais que não existe ligação direta via-ônibus intermunicipal. Deveriam fazer baldeações e a mais conveniente, menos onerosa e mais curta seria embarcar para Santa Maria e de lá tentar uma viagem para Santana do Livramento. A primeira etapa do plano foi cumprida com êxito - a dupla chegou na rodoviária de Santa Maria às seis horas da madrugada e logo correu até o guichê para comprar as passagens. "- Senhorita, bom dia, somos de São Roque do Norte, perto uns 40 quilômetros de Passo Fundo, esta é a primeira vez que deixamos a roça e desejamos ir para Santana do Livramento, têm passagem e que horas sai?" perguntou João Firmino com seu inconfundível sotaque de "índio passofundense". A moça que trajava um bleiser azul escuro com filetes dourados cobrindo uma camisa branca e cabelos longos - fitou seus olhos amendoados em forma oriental escondidos atrás de uns óculos fundos de garrafa em Firmino, e respondeu: -" Parte um agora às sete, só que não tem mais lugar ... vocês querem ir de pé ou esperar o das nove?" Antes que João Firmino pensasse em responder - Éder Truculoso saltou e se antecipou ao amigo, ..."não, não, veja duas passagens que vamos em pé mesmo!" Assim embarcaram na hora determinada e pacientemente se amontoaram dentre os demais no corredor do ônibus.
A viagem
Gente simples. A maioria dos passageiros era de trabalhadores rurais como eles - pessoas humildes - umas com camisas xadrez, outras com volta ao mundo e algumas escassas vestindo roupa de melhor qualidade, o que no caso se referia a eles. Tinha até um que levava um porquinho com uma corda atada no pescoço – outro tinha uma caixa com duas galinhas carijós e ao lado do bando de número 12 um menino carregava uma cabrita. Eles até pensaram em achar graça, mas logo abandonaram esta idéia porque, àquela altura dos acontecimentos seria inconveniente e uma indelicadeza agir daquela forma. Porém o pior de tudo era o fato de que estes ônibus modernos não abrem as janelas - deixando para o ar condicionado a tarefa de refrescar o ambiente. Mas isso não é o suficiente e os amigos sentiram, pela primeira vez na vida, o quanto duro é a vida de um colono. O ônibus levou cinco horas e meia para percorrer 300 e poucos quilômetros, o que pareceu uma vida para eles que estavam quase sufocados e cansados de ficarem em pé. "João, tenho sede e estou com ânsia de vômito" - disse Éder Truculoso ao parceiro que já ouvira falar de Santana do Livramento e conhecia até alguns pontos turísticos por fotografias. "Calma falta pouco, está vendo este cerro aqui - é o Cerro Palomas, o símbolo da cidade e falta só 20 quilômetros, agüenta mais um pouco..." disse João Firmino. Meio que contrariado Éder não tinha alternativa. Até que se lembrou de ter comprado na lancheria da rodoviária de Santa Maria uma barra de chocolate com nozes e resolveu enganar o estomago, pois seu amigo o convencera que o enjôo poderia ser fome.
“Então ele sentiu fome... mas!!!”
Finalmente conseguiu viajar sentado
Calculemos que o ônibus, entre paradas e desacelerações tenha levado uns 40 minutos para cobrir a distância dos 20 quilômetros - este foi o tempo que Éder Truculoso curtiu a viagem sentado. Com os cotovelos apoiados nos joelhos, mas aliviado foi informado que deveria permanecer ali até que chegassem na rodoviária para que João Firmino comprasse um rolo de papel higiênico. Pena que ninguém tinha uma câmera fotográfica para registrar este épico momento - Éder Truculoso sentado na privada olhando pela janela como se nada estivesse acontecendo. Finalmente chegaram e Firmino pôde executar sua tarefa. Foi fácil - o difícil foi alcançar a encomenda ao "rei", pois o porco quer ocultava o crime fora embora. A esta altura a vergonha já tinha dado lugar à curiosidade de estar na terra onde apenas marcos invisíveis dividem dois países. Tudo aquilo que ouvira contar era verdade, seu sonho se realizara. Sentiu vontade de imitar o saudoso Papa João Paulo II e beijar o solo da rodoviária. Fez menção para tal, mas não teve coragem - deixa para lá. Convidou o amigo a entrar em contato com o presidente do Bobby Fischer Xadrez Clube para comunicar a chegada deles e pedir que viesse buscá-los.
A recepção
Não demorou muito pra que o jornalista Pedro Nicola acompanhado do cônsul Alfredo Sánchez na rodoviária chegassem. Só que havia muita gente neste horário de meio-dia entre ônibus que chegam e outros que partem e alguns minutos demoraram até que o encontro fosse efetivado. O relógio marcava 12:22 quando aquele sujeito de barba tipo profeta e longos cabelos surgiu das sombras estampando um vasto sorriso. Era Éder Truculoso que anunciava sua presença em terras fronteiriças. Acompanhado pelo não menos famoso João Firmino. Os três se abraçaram e foram para a casa de Nicola a fim de conversarem e saborearem um gostoso almoço regado a vinho e refrigerante para os abstêmios. Arroz branco, panquecas recheadas, salada de maionese e tomate com alface foi o cardápio. Nada de especial, mas como a fome era grande o oferecimento parecera um verdadeiro banquete. Não fizeram cerimônia e comeram até lamber os dedos. Mas a longa e desgastante viagem repleta de percalços os esgotara - muito mais agravada pelo vinho que lhes deu sono. Foram conduzidos ao hotel onde, após um reconfortante banho morno, a dupla dormiu o restante da tarde e quase chegou atrasado ao torneio que iniciava às sete horas.
Início do torneio
Refeitos da aventura e com as malas a tira-colo, já que souberam das previsões de encerramento do torneio de xadrez e da saída do ônibus para Santa Maria que desta vez iriam confortavelmente sentados nas poltronas 21 e 22, prontamente decidiram que não seria prudente retornar ao hotel após o término do evento, uma vez que embarcariam às 06:00 e o torneio às 05:30 - a dupla chegou no Bobby Fischer com uma hora de atraso. Nada de mais grave. Após uma concorrida cerimônia de abertura o torneio teve início e transcorreu normalmente. Enquanto Firmino na mesa nove comandando as peças brancas teve a sorte de enfrentar um dos mais fracos da competição, na oito, de negras - Éder Truculoso tinha uma carne de pescoço pela frente. Ambos uruguaios. Ainda não ambientado João Firmino suou sangue para derrotar o pobre Lito - ao passo que Truculoso não tinha a vida fácil; ele fora sumariamente derrotado por Ricardo Araújo. Veja como são as coisas no xadrez - na rodada seguinte, João Firmino que tivera de usar de toda a astúcia para vencer um fraco e humilde jogador uruguaio, desta vez tinha pela frente o grande Dirley Belo, considerado um dos fenômenos da fronteira. Como perdera, Éder Truculoso teve que se contentar em jogar na mesa sete contra o representante da Associação de Judô da cidade. Partida fácil, xeque-mate em pouco mais de dez lances. Pensou ele - "ganhei esta e vou olhar a partida do João, que está na mesa três, com certeza vai ser massacrado!” Não é que o grande Belo perdeu a batalha entre Davi e Golias.
O evento prosseguiu até às 23 horas quando teve uma pausa para o jantar oferecido pelos patrocinadores. Nada de muito requintado apenas um arroz com lingüiça, uma feijoada bem traquejada e muito vinho. Porém o bastante para contentar argentinos, uruguaios e brasileiros. Só que o chá de boldo que Éder Truculoso tomara após o almoço não lhe conferira muita tranqüilidade e ele voltou a visitar o WC incansáveis vezes - em uma oportunidade, inclusive, quase perdeu uma partida, pois teve que sair correndo para o banheiro com o jogo em andamento. Daí em diante o torneio prosseguiu normalmente com muitas alternâncias da segunda colocação para baixo - porque na ponteira estava o Mestre Nacional Uruguaio José Riverol que não aliviava para ninguém.
Foi um acontecimento literalmente para boêmios - uma vez que o sol desaparecia lentamente no horizonte e os enxadristas não estavam nem aí, pois concentrados e inspirados pelo vinho Almadén, freneticamente efetuavam seus lances. Até que na mesa um, a mais cobiçada e o sonho de todo jogador, - o Mestre Nacional José Riverol anunciou "Xeque-Mate!" dando por encerrado a Copa Alfredo Sánchez de Xadrez, iniciada que foi às 19 horas de sábado, dia 1º de outubro, nas dependências do Bobby Fischer Xadrez Clube e que encerrou nas primeiras horas da madrugada de domingo, às 05:47.
Uma inovação que irá marcar época!
O evento foi disputado pelo inovador sistema de pontos ganhos sendo descartados os empates - o que valorizou os confrontos e deixou a competição mais nervosa. Como se sabe, os empates fazem parte da história do xadrez e muitas vezes deixam os eventos com credibilidade duvidosa - uma vez que é comum que entre jogadores de grande qualidade técnica e por vezes amigos que ocorram empates sem mesmo jogarem de verdade, numa clara demonstração de covardia e desrespeito aos demais participantes. Só que não satisfeito com esta endemia mundial o Bobby Fischer resolveu tomar uma atitude e o que se viu foi o sucesso iminente com a aceitação imediata de toda a classe enxadrística internacional.
A Organização
No entanto, por detrás de tudo isso foi montada uma grande estrutura e respeitada organização, com o apoio fundamental de importantes segmentos - como o Departamento Municipal de Desporto, os hotéis Livramento, Palace e Real, a joalheria Sian, Vinícola Almadén e o setor de lazer do Serviço Social da Indústria(Sesi). Não era pra menos, pois estavam escalados para esta jornada da ginástica da inteligência - o que existe de melhor no gênero disponível aqui na fronteira, exterior e no Rio Grande do Sul - tais como jogadores de Montevidéu, Buenos Aires na Argentina, dirigente da Liga Gaúcha de Xadrez, do clube de xadrez de Passo Fundo e o representante oficial da Associação Santanense de Judô, Airton Costa Leites que está diversificando suas atividades esportivas entre seu ofício de instrutor na academia e jogador de xadrez.
Após dez horas de intensos combates de neurônios - a classificação foi a seguinte:
1 José Riverol Uruguai Montevidéu 7
2 Mário Peru Uruguai Rivera 5
3 Valmir Souza Brasil Livramento 5
4 Ruben Delbono Uruguai Montevidéu 4
5 Éder Truculoso Brasil Passo Fundo 4
6 Alfredo Sánchez Argentina Buenos Aires 4
7 Dirley Belo Uruguai Rivera 4
8 Diego Pelaez Uruguai Rivera 4
9 Oscar Rodrigues Uruguai Montevidéu 4
10 Ricardo Araújo Uruguai Rivera 4
11 Roberto Castillo Uruguai Rivera 4
12 Tiago Braz Brasil Livramento 3
13 Félix Maidana Uruguai Rivera Chico 3
14 Fernando Bonilla Uruguai Montevidéu 3
15 Washington Echavalete Uruguai Rivera 3
16 João Firmino Brasil Passo Fundo 2
17 Pedro Henrique Brasil Livramento 2
18 Alejandro Visillac Uruguai Montevidéu 2
19 Júlio Lito Uruguai Rivera 1
20 Nilo Cruxen Brasil Livramento 1
21 Pablo Lara Uruguai Rivera 1
22 Airton Costa Brasil Livramento 0
O evento prosseguiu até às 23 horas quando teve uma pausa para o jantar oferecido pelos patrocinadores. Nada de muito requintado apenas um arroz com lingüiça, uma feijoada bem traquejada e muito vinho. Porém o bastante para contentar argentinos, uruguaios e brasileiros. Só que o chá de boldo que Éder Truculoso tomara após o almoço não lhe conferira muita tranqüilidade e ele voltou a visitar o WC incansáveis vezes - em uma oportunidade, inclusive, quase perdeu uma partida, pois teve que sair correndo para o banheiro com o jogo em andamento. Daí em diante o torneio prosseguiu normalmente com muitas alternâncias da segunda colocação para baixo - porque na ponteira estava o Mestre Nacional Uruguaio José Riverol que não aliviava para ninguém.
Foi um acontecimento literalmente para boêmios - uma vez que o sol desaparecia lentamente no horizonte e os enxadristas não estavam nem aí, pois concentrados e inspirados pelo vinho Almadén, freneticamente efetuavam seus lances. Até que na mesa um, a mais cobiçada e o sonho de todo jogador, - o Mestre Nacional José Riverol anunciou "Xeque-Mate!" dando por encerrado a Copa Alfredo Sánchez de Xadrez, iniciada que foi às 19 horas de sábado, dia 1º de outubro, nas dependências do Bobby Fischer Xadrez Clube e que encerrou nas primeiras horas da madrugada de domingo, às 05:47.
Uma inovação que irá marcar época!
O evento foi disputado pelo inovador sistema de pontos ganhos sendo descartados os empates - o que valorizou os confrontos e deixou a competição mais nervosa. Como se sabe, os empates fazem parte da história do xadrez e muitas vezes deixam os eventos com credibilidade duvidosa - uma vez que é comum que entre jogadores de grande qualidade técnica e por vezes amigos que ocorram empates sem mesmo jogarem de verdade, numa clara demonstração de covardia e desrespeito aos demais participantes. Só que não satisfeito com esta endemia mundial o Bobby Fischer resolveu tomar uma atitude e o que se viu foi o sucesso iminente com a aceitação imediata de toda a classe enxadrística internacional.
A Organização
No entanto, por detrás de tudo isso foi montada uma grande estrutura e respeitada organização, com o apoio fundamental de importantes segmentos - como o Departamento Municipal de Desporto, os hotéis Livramento, Palace e Real, a joalheria Sian, Vinícola Almadén e o setor de lazer do Serviço Social da Indústria(Sesi). Não era pra menos, pois estavam escalados para esta jornada da ginástica da inteligência - o que existe de melhor no gênero disponível aqui na fronteira, exterior e no Rio Grande do Sul - tais como jogadores de Montevidéu, Buenos Aires na Argentina, dirigente da Liga Gaúcha de Xadrez, do clube de xadrez de Passo Fundo e o representante oficial da Associação Santanense de Judô, Airton Costa Leites que está diversificando suas atividades esportivas entre seu ofício de instrutor na academia e jogador de xadrez.
Após dez horas de intensos combates de neurônios - a classificação foi a seguinte:
1 José Riverol Uruguai Montevidéu 7
2 Mário Peru Uruguai Rivera 5
3 Valmir Souza Brasil Livramento 5
4 Ruben Delbono Uruguai Montevidéu 4
5 Éder Truculoso Brasil Passo Fundo 4
6 Alfredo Sánchez Argentina Buenos Aires 4
7 Dirley Belo Uruguai Rivera 4
8 Diego Pelaez Uruguai Rivera 4
9 Oscar Rodrigues Uruguai Montevidéu 4
10 Ricardo Araújo Uruguai Rivera 4
11 Roberto Castillo Uruguai Rivera 4
12 Tiago Braz Brasil Livramento 3
13 Félix Maidana Uruguai Rivera Chico 3
14 Fernando Bonilla Uruguai Montevidéu 3
15 Washington Echavalete Uruguai Rivera 3
16 João Firmino Brasil Passo Fundo 2
17 Pedro Henrique Brasil Livramento 2
18 Alejandro Visillac Uruguai Montevidéu 2
19 Júlio Lito Uruguai Rivera 1
20 Nilo Cruxen Brasil Livramento 1
21 Pablo Lara Uruguai Rivera 1
22 Airton Costa Brasil Livramento 0
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