quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Xadrez: Não está morto quem peleia!


Se o Criador tivesse se dado o luxo de baixar à Terra e visitar o Bobby Fischer Xadrez Clube nas noites de dois sábados dia 12 e 19 de janeiro de 2008 - datas em que se enfrentaram as duas promessas do ano de 2008, Júlio Lito e José Oribe numa melhor de três pontos no ritmo de 60 minutos nocaute, com certeza ficaria orgulhoso com o que veria. Entre muitos os defeitos de sua obra - a teimosia em especial, é um que lhe causa preocupação e por vezes inquietação. Só que esta suposta falha da fabricação se converteu numa grande virtude e motivo até de orgulho ao protagonista. Se o "Todo Poderoso" irá concordar jamais saberemos - na verdade, o que restou foi uma virada espetacular - fruto da teimosia, persistência e - patriotismo à parte - porque não dizer ginga e jeitinho brasileiro. Mas só isso não é suficiente - soma-se a tudo isso alguma dose de competência e conhecimento, em pouca escala é bom que se diga, mas o suficiente para dar um novo desfecho à trama que se creia estar com o destino selado.

No 1º duelo das revelações
Um xeque-mate por descuido


Conforme o calendário de início das atividades de 2008 - deu início nas dependências do Bobby Fischer Xadrez Clube com a primeira partida de xadrez. Pelo lado do Sarandi Universitário o uruguaio de 59 anos Júlio Lito enfrentou o funcionário público aposentado da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul seu Oribe, sete anos mais velho e enxadrista de ocasião.
Debaixo de um calor infernal estimado em menos de 36 graus centígrados seu Oribe apesar da idade se mostrou mais resistente das quase duas horas de partida e venceu o bom e velho Lito. Não obstante este estava com a partida na mão e, devido à grande vantagem perdeu a concentração e, neste décimo de segundo de descuido de Lito, seu Oribe, com o bispo escondido na casa h1 e tendo a dama despretensiosamente isolada em d5 pôde por em prática seu único isolado lance bom na partida e aplicou um sonoro xeque-mate no coitado Lito. Sem querer, mas o que vale é o registro do placar: 1x0.
Lito aprendeu mais uma lição neste seu mais de meio século de vida. Por fim veio a descobrir que quanto maior a vantagem maior deve ser a concentração. Descuidou-se e perdeu.
No entanto, haverá outro Rond desta batalha intelectual envolvendo os dois diamantes da fronteira que estão em vias de lapidação. Apesar de tudo ambos são grandes amigos e ainda seguiram jogando e tomando aquela cervejinha até altas da madrugada. O problema foi explicar às suas esposas e convencer que estavam jogando xadrez até àquela hora.

Uma pedra de Kryptonita escondida foi arma secreta utilizada por seu Oribe para derrotar o homem de aço

Só faltava o uniforme para que o super-homem fosse reconhecido na noite marcada para a tão comentada revanche na sede do Bobby Fischer Xadrez Clube quando da disputa da segunda partida da melhor de três entre os diamantes do xadrez deste ano que inicia. Júlio Lito estava com a corda toda como se diz popularmente. Houve até quem gritasse da janela -"o velhinho tomou todas!" O comentário veio de um enxadrista veterano que costuma ir ao clube à noite para jogar umas partidinhas de ping e que da mesma forma sempre chega acompanhado de uma latinha de cerveja, mas que já tomou outras tantas no caminho.
Seu Oribe, de passos lentos quase parando – talvez até sentindo os efeitos do calor intenso daquela segunda noite - chegou atrasado e se assustou quando surpreendeu Lito analisando umas e outras posições no tabuleiro, tendo um livro de mestres como apoio. Lito tinha que vencer porque havia sido derrotado na partida anterior e um novo insucesso encerraria o confronto.
Jogando com as peças brancas o competente secretário do Clube Sarandi Universitário foi com tudo para cima do amigo quase septuagenário. Mais uma vez o brasileiro se sentiu acuado - como no último encontro. A derrota seria praticamente certa - tamanha era a pressão de Lito. Em dado momento do jogo - já tinham caído um, dois, três, quatro peões em seqüência e logo após um xeque em sexta casa foi a vez da torre de José Oribe a sair de cena e por tabela um bispo que 'rasgava' o tabuleiro de ponta a ponta – parece que Lito lembrara-se do mate que levara quando se viu na posição favorável e seu bispo g7 comandava todas as ações das casas negras adiante.
Seu Oribe estava acuado. Perdido. Apavorado. Branco como um papel. Com o rei no centro do tabuleiro, a morte seria iminente para ele, questão de tempo - só isso, pouco ou quase nada poderia fazer. Cercado que estava de todos os lados imagináveis e possíveis de ameaça. Se houvesse um termômetro no escritório, ou melhor, na sala de jogo naquele momento ele certamente estaria beirando os 38 graus ou quem sabe até mais – mas nem por isso seu Oribe deixava de suar frio. Foi aí que ele teve a idéia de brindar a derrota e não se desgastar para a chamada partida da "negra!". Pediu que trouxessem o balde de gelo para que pudesse, já, abrir a garrafa de whisky e confraternizar com Lito. Um a um - o empate estava de bom tamanho. A grande decisão ficaria para próxima semana. E jogando de brancas poderia armar uma para cima do "baixinho travestido de super-homem".
Só que as pedras de gelo no copo de Lito tiveram efeito de kryptonita deixando suavezinho... Suavezinho... Suavezinho... E o whisky foi descendo como água. Quando Lito tentou tomar ciência da situação já era tarde - estava literalmente "gambá" e o pior ainda estava por vir. Alheio a tudo e a todos Lito seguia "empilhando" as peças contra seu Oribe - naquela altura dos acontecimentos, como a notícia deste confronto havia se espalhado na cidade e uma platéia entusiasta foi se aglomerasse na janela do clube que fica estrategicamente localizado numa região central e movimentada de Santana do Livramento e testemunhasse um desfecho apoteótico de uma partida de xadrez que certamente jamais irá se repetir.
Tanto vai, tanto vem que "El hombre de acero” (homem de aço) com toda propriedade observou atentamente o que se passava no tabuleiro, alisou seu fino bigode branco... Respirou fundo – levou a mão esquerda ao copo, agitou as três pedras de gelo com o dedo indicador no sentido horário – olhou atentamente aquele malte escocês envelhecido 12 anos, levou a boca e tragou tudo de um gole só. Feito isso e, antes de concretizar o lance que só ele vira, ajeitou os óculos de quase sete graus de miopia e anunciou... “Seu Oribe... perdoe-me, mas teremos que marcar a outra partida para sábado seguinte... e, sem a menor cerimônia, pegou sua Dama olhou firme para seu amigo – não o oponente, mas o copo de whisky que parece que sorria para ele já vazio, tomou coragem para se levantar da cadeira e bateu forte na casa d6 ...Xeque-Mate!”
Por sua vez seu Oribe quase teve um colapso – “Mate?”, mas onde... Havia bebido tanto quanto Lito, mas daí não ver aquilo seria demais. Pensou – “Bueno, perdido... perdido e meio... vou oferecer mais uma rodada e combinar o horário da partida de desempate”. Fizeram menção de se cumprimentarem – só que numa olhada mais detalhada no cenário abaixo revelou algo inesperado. Lito enxergara demais e dera o famoso xeque-mate na Torre de seu Oribe, e o que é pior – sem nenhuma proteção... Entregou a Dama limpinha.
Com esta furada de cinema seu Oribe ganhou fôlego e se arriscou ir ao ataque. Não estava lá muito mais sóbrio que Lito, mas bastou enxergar um pouco menos embaçado para vencer surpreendentemente o jogo e selar o desafio da melhor de duas partidas em dois a zero no placar. Só para não perder o costume e por forma de hábito, eles seguiram se confraternizando tomando não mais whisky, que acabara - mas cerveja uma após a outra.

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