A história do xadrez mostra por que o jogo se tornou uma poderosa metáfora para quase toda atividade humana
O filho único de uma rainha na antiga Índia morre assassinado e nenhum súdito tem coragem de informá-la de que o trono não tem mais herdeiro. Um filósofo é chamado para resolver o impasse. Sua solução vem na forma de um tabuleiro quadrado – dividido em 64 quadrados menores e 43 figuras entalhadas em madeira – as peças de um novo jogo, o xadrez cujo objetivo é levar o rei à morte através do “xeque-mate”. O filósofo, após expor todas as regras minuciosamente – joga uma partida com um discípulo diante da rainha. Quando o jogo chega ao fim com um dos reis caído, ela compreende: “Meu filho está morto!”. Esta velha lenda sobre a origem do xadrez revela uma das características mais intrigantes deste jogo: o movimento regrado das peças nos limites geométricos do tabuleiro parece capaz de representar as realidades mais caóticas do mundo exterior – como o assassinato de um príncipe.
Com as regras um tanto diferente das atuais – estima-se que o xadrez tenha surgido na antiga Pérsia (Atal Irã) entre os séculos V e VI. Não tardou para que este novo jogo seja amplamente difundido após a Pérsia ter sida incorporada ao grande império Bizantino, chegando rapidamente à Europa medieval. Um tratado moral do monge Jacobus de Cessolis, no século XIII, tornou-se muito popular o uso destas peças de xadrez como alegoria da sociedade medieval. Aliás, os modelos das peças que se utilizam hoje seguem fiel o imaginário daquele tempo, há 800 anos: peões, torres, cavalos, bispos um rei e uma rainha.
No entanto, o xadrez com suas propriedades racionais foi o jogo preferido de iluministas como Voltaire e outros. Benjamin Franklin recomendava a prática do xadrez como atividades nobres para fixar valores morais e intelectuais como a perseverança e a precaução. O xadrez, portanto, serviu igualmente aos moralistas medievais e aos fundadores da revolucionária república norte-americana.
Há razões objetivas que justificam a universalização do xadrez como metáfora ou matriz para as mais diversas atividades comportamentais humanas. O resultado de uma partida de xadrez depende exclusivamente da habilidade dos jogadores. Trata-se, portanto, de uma atividade mental que exalta o livre-arbítrio – e não o acaso ou sorte. Também é uma atividade transparente em que toda a informação necessária para se chegar à vitória está colocada à vista de ambos os contendores - ao contrário, como por exemplo, do pôquer em que impera o blefe ou de outras atividades esportivas que dependem até do contato físico. E a despeito desta destreza – o xadrez é um jogo cujas propriedades matemáticas apontam para o infinito: depois de apenas quatro lances o número de configurações possíveis no tabuleiro chegam a 315 bilhões - e até o final da partida, este cálculo salta para uma progressão geométrica de trilhões, quatrilhões, quintilhões e aí por diante. Isto ficou muito bem claro no filme “O Sétimo Selo” - do sueco Igmar Bergman onde um cavaleiro joga xadrez com a morte fazendo alusão de que o xadrez é um flerte com o infinito. Daí a prática de se adotar o relógio de xadrez para limitar e determinar os finais das partidas.
Em casos extremos, o xadrez também é considerado como um namoro com a loucura. Tem-se registro de vários campeões de xadrez que se viram assolados pela doença mental. O austríaco Wilhelm Steinitz, cujo estilo científico foi inovador no século XIX chegou a afirmar que jogara com Deus e fora vencedor. Teve de ser internado em um asilo para doentes mentais. O caso mais famoso da loucura é o norte-americano Robert Fischer (Bobby Fischer) que faleceu recentemente em seu castelo na Islândia onde resolveu viver recluso e isolado do contato com o mundo. Fischer foi o caso clássico de um gênio que venceu sua primeira partida profissional aos 13 anos. Corria o ano de 1956 quando este menino se dedicava exclusivamente ao estudo dos problemas enxadrísticos mais intricados e tinha uma séria dificuldade em manter um diálogo, por mais curto que fosse, que não versasse o xadrez. Em 1972 tornou-se o primeiro enxadrista fora do eixo da grande União Soviética a se tornar campeão. Porém, após a vitória histórica sobre o russo Bóris Spassky Fischer se retirou da vida pública e se negou a competir e defender seu título mundial. Sua crescente instabilidade emocional chegou ao limite da paranóia que, em entrevista a uma emissora de rádio nas Filipinas, Fischer, em discurso nervoso e torrencial - manifestou seu apoio ao atentado que derrubou as Torres Gêmeas do 11 de setembro de2001.
Ainda não existe uma teoria convincente para explicar o grande número de “malucos” - entre os gênios do xadrez, porém é seguro e comprovado que este esporte por si só não é a causa destes fatos. Os estudos revelam o contrário – que o xadrez traz vantagens para seus diletantes. É, sem sombra de dúvidas, um método sem igual para desenvolver o raciocínio abstrato. O xadrez é como uma obra de arte – é um universo auto-suficiente contido em si mesmo e que, no entanto, pode presentear o mundo, pois, também é verdade que jogar xadrez é a última tentativa humana de conviver inteligentemente com o infinito.
CURIOSIDADES: o xadrez serve de modelo para as mais variadas áreas do conhecimento e inspira diversas obsessões.
· O xadrez é o jogo favorito dos pesquisadores da inteligência artificial. O sonho de construir um computador capaz de derrotar o gênio humano no tabuleiro tornou-se realidade em 1997 quando Deep Blue, da IBM venceu o campeão mundial Garry Kasparov em uma série de partidas.
· A santa Católica Teresa de Ávila, no século XVI, recorria ao xadrez para ensinar as disciplina da oração. Segundo seu entendimento – assim como era necessário arrumar as peças no tabuleiro antes de jogar, o fiel, neste caso o Cristão, deve antes de tudo cuidar das virtudes básicas.
· Escritores como Lewis Carroll e Vladmir Nabokov incorporam o xadrez em suas obras. O artista francês Marcel Duchamp, que por algum tempo trocou a arte pelos tabuleiros – também tinha uma apreciação estética do jogo. Insistia em afirmar que todos os jogadores de xadrez são artistas, cada um em seu estilo e forma.
· Se por um lado existem seus apreciadores – a história também mostra aqueles que vêem no jogo de xadrez algo danoso para fé e seus fundamentos religiosos – como foi o caso do sábio judeu Maimônides, o rei francês Luis IX (conhecido por São Luís) o aiatolá Khomeini do Irã e pelos talibãs no Afeganistão.
Com as regras um tanto diferente das atuais – estima-se que o xadrez tenha surgido na antiga Pérsia (Atal Irã) entre os séculos V e VI. Não tardou para que este novo jogo seja amplamente difundido após a Pérsia ter sida incorporada ao grande império Bizantino, chegando rapidamente à Europa medieval. Um tratado moral do monge Jacobus de Cessolis, no século XIII, tornou-se muito popular o uso destas peças de xadrez como alegoria da sociedade medieval. Aliás, os modelos das peças que se utilizam hoje seguem fiel o imaginário daquele tempo, há 800 anos: peões, torres, cavalos, bispos um rei e uma rainha.
No entanto, o xadrez com suas propriedades racionais foi o jogo preferido de iluministas como Voltaire e outros. Benjamin Franklin recomendava a prática do xadrez como atividades nobres para fixar valores morais e intelectuais como a perseverança e a precaução. O xadrez, portanto, serviu igualmente aos moralistas medievais e aos fundadores da revolucionária república norte-americana.
Há razões objetivas que justificam a universalização do xadrez como metáfora ou matriz para as mais diversas atividades comportamentais humanas. O resultado de uma partida de xadrez depende exclusivamente da habilidade dos jogadores. Trata-se, portanto, de uma atividade mental que exalta o livre-arbítrio – e não o acaso ou sorte. Também é uma atividade transparente em que toda a informação necessária para se chegar à vitória está colocada à vista de ambos os contendores - ao contrário, como por exemplo, do pôquer em que impera o blefe ou de outras atividades esportivas que dependem até do contato físico. E a despeito desta destreza – o xadrez é um jogo cujas propriedades matemáticas apontam para o infinito: depois de apenas quatro lances o número de configurações possíveis no tabuleiro chegam a 315 bilhões - e até o final da partida, este cálculo salta para uma progressão geométrica de trilhões, quatrilhões, quintilhões e aí por diante. Isto ficou muito bem claro no filme “O Sétimo Selo” - do sueco Igmar Bergman onde um cavaleiro joga xadrez com a morte fazendo alusão de que o xadrez é um flerte com o infinito. Daí a prática de se adotar o relógio de xadrez para limitar e determinar os finais das partidas.
Em casos extremos, o xadrez também é considerado como um namoro com a loucura. Tem-se registro de vários campeões de xadrez que se viram assolados pela doença mental. O austríaco Wilhelm Steinitz, cujo estilo científico foi inovador no século XIX chegou a afirmar que jogara com Deus e fora vencedor. Teve de ser internado em um asilo para doentes mentais. O caso mais famoso da loucura é o norte-americano Robert Fischer (Bobby Fischer) que faleceu recentemente em seu castelo na Islândia onde resolveu viver recluso e isolado do contato com o mundo. Fischer foi o caso clássico de um gênio que venceu sua primeira partida profissional aos 13 anos. Corria o ano de 1956 quando este menino se dedicava exclusivamente ao estudo dos problemas enxadrísticos mais intricados e tinha uma séria dificuldade em manter um diálogo, por mais curto que fosse, que não versasse o xadrez. Em 1972 tornou-se o primeiro enxadrista fora do eixo da grande União Soviética a se tornar campeão. Porém, após a vitória histórica sobre o russo Bóris Spassky Fischer se retirou da vida pública e se negou a competir e defender seu título mundial. Sua crescente instabilidade emocional chegou ao limite da paranóia que, em entrevista a uma emissora de rádio nas Filipinas, Fischer, em discurso nervoso e torrencial - manifestou seu apoio ao atentado que derrubou as Torres Gêmeas do 11 de setembro de2001.
Ainda não existe uma teoria convincente para explicar o grande número de “malucos” - entre os gênios do xadrez, porém é seguro e comprovado que este esporte por si só não é a causa destes fatos. Os estudos revelam o contrário – que o xadrez traz vantagens para seus diletantes. É, sem sombra de dúvidas, um método sem igual para desenvolver o raciocínio abstrato. O xadrez é como uma obra de arte – é um universo auto-suficiente contido em si mesmo e que, no entanto, pode presentear o mundo, pois, também é verdade que jogar xadrez é a última tentativa humana de conviver inteligentemente com o infinito.
CURIOSIDADES: o xadrez serve de modelo para as mais variadas áreas do conhecimento e inspira diversas obsessões.
· O xadrez é o jogo favorito dos pesquisadores da inteligência artificial. O sonho de construir um computador capaz de derrotar o gênio humano no tabuleiro tornou-se realidade em 1997 quando Deep Blue, da IBM venceu o campeão mundial Garry Kasparov em uma série de partidas.
· A santa Católica Teresa de Ávila, no século XVI, recorria ao xadrez para ensinar as disciplina da oração. Segundo seu entendimento – assim como era necessário arrumar as peças no tabuleiro antes de jogar, o fiel, neste caso o Cristão, deve antes de tudo cuidar das virtudes básicas.
· Escritores como Lewis Carroll e Vladmir Nabokov incorporam o xadrez em suas obras. O artista francês Marcel Duchamp, que por algum tempo trocou a arte pelos tabuleiros – também tinha uma apreciação estética do jogo. Insistia em afirmar que todos os jogadores de xadrez são artistas, cada um em seu estilo e forma.
· Se por um lado existem seus apreciadores – a história também mostra aqueles que vêem no jogo de xadrez algo danoso para fé e seus fundamentos religiosos – como foi o caso do sábio judeu Maimônides, o rei francês Luis IX (conhecido por São Luís) o aiatolá Khomeini do Irã e pelos talibãs no Afeganistão.